EDITORIAL — A análise do recente anúncio de Mark Zuckerberg, CEO da Meta, sobre as mudanças em sua política de moderação de conteúdo deve ser feita com uma perspectiva crítica, levando em consideração não apenas os argumentos de Zuckerberg, mas também o histórico e as implicações dessas mudanças no cenário político e social. O comentário de Zuckerberg sobre a censura nas redes sociais, particularmente em países latino-americanos como o Brasil, merece atenção especial, especialmente no que diz respeito à censura imposta por tribunais, que pode ser caracterizada como uma forma de controle da informação sem o devido processo público e transparente.
A principal razão para um olhar cético sobre as declarações de Zuckerberg está relacionada ao histórico da Meta, anteriormente conhecida como Facebook, em ser acusada de censurar opiniões e conteúdos que não se alinham com suas políticas internas ou com pressões externas, especialmente por motivos políticos. Desde 2016, quando o Facebook colaborou com o governo israelense para censurar jornalistas e ativistas palestinos, até 2020, quando reportagens desfavoráveis a Joe Biden foram suprimidas, a plataforma tem sido acusada de promover censura de forma estratégica, muitas vezes em nome da ‘preservação da ordem pública’ ou da ‘combate à desinformação’. Isso sem falar no banimento de figuras públicas, como o ex-presidente Donald Trump, e no controle sobre as narrativas em torno da pandemia de COVID-19, algo que gerou controvérsia em relação à liberdade de expressão.
No entanto, embora a Meta tenha sido alvo de críticas por essas ações, não se pode negar que Zuckerberg, em seu comentário sobre as ordens de censura emitidas por tribunais latino-americanos, acerta ao apontar um problema real e crescente. O sistema judicial de censura no Brasil, representado por decisões secretas de figuras como o ministro do STF Alexandre de Moraes, é um fenômeno que já foi denunciado em diversas instâncias e que está se tornando cada vez mais preocupante. O cerceamento da liberdade de expressão por meio de ordens judiciais secretas, como as emitidas por Moraes, não apenas viola os princípios fundamentais da democracia, mas também cria um ambiente de insegurança jurídica, no qual cidadãos não têm acesso a informações sobre os motivos de suas proibições ou a chance de contestá-las.
O fato de o próprio ministro Moraes exigir que tais ordens sejam mantidas em segredo é um ponto central nesta análise. O segredo não apenas prejudica a transparência, mas também impede a sociedade de exercer seu direito de fiscalizar e questionar os fundamentos dessas decisões. Isso configura um processo judicial sem a devida publicidade, o que, por sua natureza, é antitético aos valores democráticos que sustentam a Constituição brasileira. A alegação de que o sistema de censura está sendo implementado para preservar a ordem pública e combater a desinformação perde força quando se percebe que as ordens são emanadas sem a devida justificativa pública e sem o direito à defesa.
É válido, porém, questionar a postura de Zuckerberg, considerando que ele próprio tem sido uma das figuras centrais na promoção de políticas que muitas vezes resultaram em censura, como exemplificado nos casos de banimento de Trump e de censura durante a pandemia. Portanto, a crítica de Zuckerberg à censura no Brasil pode ser vista não apenas como uma constatação legítima, mas também como uma tentativa de distanciar sua própria empresa de suas responsabilidades passadas e atuais no que tange à moderação de conteúdo. Sua declaração pode ser entendida como uma jogada política, talvez para se alinhar com um discurso mais conservador sobre a liberdade de expressão e para minimizar as críticas que a Meta tem enfrentado.
Entretanto, é importante reconhecer que a denúncia de Zuckerberg sobre a censura em tribunais latino-americanos tem um fundamento substancial. No caso específico do Brasil, as ordens secretas de censura existem e são um desafio real para a liberdade de expressão.
A sociedade brasileira, os jornalistas, e os ativistas políticos devem ficar atentos a esse fenômeno e exigir mais transparência e responsabilização das autoridades judiciais. As ordens de censura secretas não devem ser tratadas como uma prática legítima em uma democracia que se pretende justa e transparente.
A análise deste episódio envolve a compreensão das motivações políticas e históricas por trás de Zuckerberg, ao mesmo tempo que se reconhece a validade das preocupações sobre o sistema judicial brasileiro de censura. O equilíbrio entre o direito à liberdade de expressão e a responsabilidade das plataformas digitais em combater a desinformação é um dilema complexo, mas o segredo e a falta de accountability das ordens judiciais não podem ser tolerados. A sociedade deve estar vigilante para evitar o crescimento de um estado de censura invisível, tanto nas redes sociais quanto nos tribunais.