O regime do presidente venezuelano Nicolás Maduro tem negligenciado sucessivas tentativas do governo brasileiro para retomar negociações sobre uma dívida bilionária referente a financiamentos concedidos a empresas nacionais que executaram obras e serviços na Venezuela. A informação foi confirmada em documento oficial assinado pela secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito, em resposta a requerimento do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG).
“A negociação se encontra suspensa em razão da ausência de respostas do governo venezuelano”, afirma o documento. “A resolução da questão depende do engajamento da contraparte, não sendo possível assim estimar um prazo para conclusão.”
De acordo com o Ministério da Fazenda, o valor atualizado da inadimplência venezuelana correspondia, em fevereiro deste ano, a US$ 1,74 bilhão — cerca de R$ 10 bilhões — incluindo os montantes indenizados pela União aos bancos credores e os juros decorrentes do atraso nos pagamentos. Diante da ausência de retorno por parte de Caracas, o Brasil decidiu retomar os processos de cobrança, tanto por vias diplomáticas quanto por comunicações diretas ao Ministério da Economia da Venezuela.
O governo brasileiro também notificou o Clube de Paris — grupo informal que reúne os principais credores internacionais, como França, Alemanha e Estados Unidos — a respeito do não cumprimento das obrigações por parte da Venezuela.
Ainda segundo o Ministério da Fazenda, outras quatro parcelas — caso não sejam quitadas — deverão ser indenizadas pela União até junho, totalizando aproximadamente US$ 16 milhões (cerca de R$ 90 milhões). O governo também informou que juros seguirão sendo aplicados conforme os termos previstos nos contratos originais de financiamento.
Boa parte dos valores em aberto se refere a financiamentos concedidos pelo BNDES durante governos petistas, quando empreiteiras brasileiras executaram projetos de infraestrutura no exterior, como o metrô de Caracas. Tais financiamentos contavam com cobertura do Fundo de Garantia à Exportação (FGE), ligado ao Ministério da Fazenda, que assume o prejuízo em caso de inadimplência.
Essas operações têm sido alvo frequente de críticas da oposição, sobretudo em relação a países como Venezuela e Cuba. O governo Lula reabriu a mesa de negociação da dívida no início de 2023, após a visita de Maduro a Brasília, com reuniões preparatórias voltadas à conciliação. No entanto, o documento enviado ao deputado Nikolas Ferreira evidencia a ausência de resposta do governo venezuelano.
As relações entre os governos Lula e Maduro também foram afetadas pela decisão brasileira de vetar o ingresso da Venezuela como parceira do Brics — bloco atualmente composto por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã. Caracas contava com o apoio russo e chinês para obter o status de parceiro, que permitiria a participação em reuniões do grupo.
Apesar da aproximação política entre os dois governos em anos anteriores, o atual distanciamento diplomático contribui para o impasse. Ainda assim, Lula e Maduro mantiveram conversas sobre a dívida em ao menos duas ocasiões desde o início do atual mandato do petista. Em junho de 2023, o Planalto informou que ambos discutiram a renegociação da dívida e a celebração de um Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos. Em outubro do mesmo ano, novas propostas foram debatidas, envolvendo medidas para facilitar o comércio bilateral.
Durante a posse de Aloizio Mercadante na presidência do BNDES, em fevereiro de 2023, o presidente Lula responsabilizou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo congelamento das negociações. “Os países que não pagaram, seja Cuba, seja Venezuela, é porque o presidente resolveu cortar relação internacional com esses países para não cobrar, para poder ficar nos acusando”, afirmou. “Tenho certeza que no nosso governo esses países vão pagar, porque são todos países amigos do Brasil.”
Lula também criticou as acusações de que o BNDES teria negligenciado o mercado interno para financiar obras no exterior. Segundo ele, a instituição foi alvo de uma “difamação muito grave” durante o último processo eleitoral.