Há de se admitir: o Brasil é um lugar onde a realidade vive no modo aleatório. Num dia, fala-se sobre inteligência artificial, crimes, assaltos, política, esquerda, direita e inflação; no outro, descobre-se que um homem, preso em flagrante, tinha auspícios de cometer um atentado no show da cantora Lady Gaga. Toda a ação era baseada, segundo informações, em um grupo que disseminava ódio. Sim, este país se chama Brasil — essa possibilidade de atentado seria cometida aqui, neste território onde a ficção científica divide espaço com a Idade Média. Gaga veio, brilhou, abrilhantou e conseguiu reunir mais de dois milhões de pessoas na Praia de Copacabana. Contudo — e por pouco — o show não nos deixou um episódio digno de documentário sombrio no streaming.
A diva pop e o público de mais de dois milhões sobreviveram, mas o país continua a sucumbir, dia após dia, aos discursos gaguejantes de seus representantes. A impressão que se tem é que a República Brasileira fosse presidida por um coral de gagos — não daqueles com distúrbios de fala genuínos (estes merecem todo o respeito), mas sim os outros: os políticos que hesitam diante da verdade, tropeçam em suas promessas, fingem não entender perguntas diretas e preferem as indiretas para disfarçar a gagueira política e a surdez ao povo. Ou melhor: fazem-se de surdos, engasgam com números e travam diante da ética. Dir-se-ia que se especializaram na arte da enrolação. Prometer-se-ia tudo; cumprir-se-ia nada.
Enquanto Gaga enfrenta ameaças reais — pois soube, na manhã de domingo, do possível atentado que teria ocorrido no sábado —, nossos parlamentares, como fazem aos finais de semana, descansam sob a sombra do dinheiro do contribuinte em seus oásis. A falta de ação diante de tragédias, desigualdades e escândalos só não é mais gritante do que a eloquência com que defendem seus próprios salários, benefícios, interesses e auxílios. Ter-se-iam resolvido os problemas nacionais se o mesmo entusiasmo dedicado à autoproteção fosse aplicado à educação, à saúde, à segurança. Mas não. Neste país, a performance está sempre acima do conteúdo. Afinal, Gaga canta, dança e entrega um espetáculo. Já os gagos do Planalto discursam, prometem e entregam relatórios. Se Lady Gaga fosse brasileira, provavelmente diria: “Justiça para o povo!” Mas, em seu discurso, disse: “Brasil, eu estou pronta.” E você, Brasil, está pronto? Os nossos preferem o sigilo de 100 anos e a pose de estadista em coletiva improvisada. Há, portanto, uma diferença gritante entre o show e a farsa — embora ambos usem microfone.
E assim seguiremos: entre o pop e o populismo, entre o palco e o palanque. Porque o Brasil é mesmo o país da Gaga — icônica, ousada, artística —, mas também dos gagos — hesitantes, oportunistas, farsescos. Um lugar onde a voz do povo precisa gritar, pois quem deveria falar por ele ainda tropeça nas próprias palavras… ou nas próprias intenções.