Itamaraty recusa pagar indenização após perder ação trabalhista na França; dívida chega a R$ 2 milhões

Apesar de uma decisão judicial que determina o pagamento de uma indenização, o Itamaraty se recusa a quitá-la há mais de dois anos.


O Ministério das Relações Exteriores do Brasil enfrenta uma controvérsia trabalhista na França após a demissão de um funcionário do Consulado-Geral em Paris. Apesar de uma decisão judicial que determina o pagamento de uma indenização, o Itamaraty se recusa a quitá-la há mais de dois anos, período em que o valor acumulado alcançou cerca de €320 mil, ou mais de R$2 milhões.

Tiago Fazito, 47 anos, foi contratado em 2012 como técnico de informática, com um salário de €2.000. Em 2014, após descobrir que outros funcionários desempenhando funções similares recebiam €500 a mais por mês, Fazito entrou com uma ação na Justiça francesa reivindicando isonomia salarial. Ele alegou que, além de suas funções técnicas, desempenhava tarefas de atendimento ao público e processamento de passaportes, configurando desvio de função.

Tiago Fazito Pereira da Silva

“Descobri que outros contratados recebiam salários maiores pelo mesmo trabalho, o que me motivou a buscar meus direitos”, afirmou Fazito. Ele também foi um dos fundadores de um sindicato representando funcionários locais de representações diplomáticas brasileiras na França, o que, segundo ele, foi o motivo de sua demissão.

“Fui despedido por questão essencialmente política, por decisão da cônsul na época [Maria Edileuza Fontenele Reis]. Me demitiram por justa causa argumentando que anexei documentos sigilosos ao processo, um absurdo”, afirma, referindo-se ao contrato de trabalho e documentos rotineiros com que lidava e comprovariam o desvio de função.

Reis hoje é embaixadora do Brasil na Suécia, chefiando a representação em Estocolmo. Antes disso, foi embaixadora na Bulgária e representou o Brasil junto à Unesco, o órgão de cultura das Nações Unidas.

O Itamaraty justificou a demissão de Fazito alegando “falta grave”, sem fornecer detalhes adicionais. No entanto, a Justiça francesa considerou que a documentação apresentada por Fazito era legítima e descartou a argumentação de que os documentos seriam sigilosos.

A decisão judicial determinou a reintegração de Fazito e o pagamento dos salários retroativos, além de multas que somam mais de €16 mil. Contudo, o Itamaraty não acatou a decisão, argumentando que ela fere a soberania brasileira e a inviolabilidade de suas representações no exterior.

Fazito agora processa o governo francês na esperança de que o país anfitrião da representação diplomática brasileira assuma a dívida do Itamaraty. O prazo para o Brasil recorrer da decisão terminou em setembro de 2024 sem que o Itamaraty apresentasse recurso. Isso porque, segundo a legislação francesa, o empregador deve pagar a indenização antes de apelar da decisão.

A Justiça francesa ainda não concluiu o processo. Questionado pela imprensa, o Itamaraty reiterou que não cumprirá a decisão judicial, afirmando que “decisões dessa natureza atentam contra a soberania e a inviolabilidade das representações brasileiras no exterior”.

NOTA DO ITAMARATY:

— “Decisões dessa natureza vão além da esfera estritamente trabalhista e atentam contra a soberania e a inviolabilidade das representações brasileiras no exterior, princípios sobre os quais não há hipótese de relativização”, escreveu a pasta.

“O Estado brasileiro determina o pagamento de decisões desfavoráveis sempre que esgotados os recursos a serem interpostos no Judiciário local. Entretanto, não pode acatar decisões judiciais que atentem contra as inviolabilidades de seus postos no exterior”, conclui, descartando a hipótese de que o caso poderia afetar as relações diplomáticas entre o Brasil e a França.

A disputa continua sem solução, com o Itamaraty mantendo sua posição firme de não acatar a decisão judicial francesa.